Música nunca é só música, é sobre quem tem voz e quem é silenciado!
Reflexões a partir da minha primeira vez no festival Lollapalooza Brasil
08|04|2025
- Alterado em 11|04|2025
Por Amanda Stabile
A primeira vez a gente nunca esquece, né? Foi assim comigo quando cheguei ao Lollapalooza Brasil 2025, no dia 29 de março, com o coração na mão e a cabeça cheia de curiosidades. O ingresso foi um presente de sorte, porque, se dependesse do meu bolso, essa experiência ia ficar só na imaginação.
Para quem também nunca colou, o Lollapalooza Brasil é um dos maiores festivais de música do país, realizado anualmente no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. O evento reúne artistas nacionais e internacionais, de diversos gêneros, que você pode assistir pela bagatela de pelo menos meio salário mínimo por ingresso (por dia).
Esse ano, os preços dos ingressos para o Lollapalooza variaram de R$630,00 a R$3.204,00. Mas, segundo a pesquisa Mapa Dos Festivais: Panorama 2024/1, festivais multigênero, que incluem uma ampla variedade de estilos musicais, como o Lolla, tiveram o valor médio do ingresso de R$ 503 no primeiro semestre de 2024.
Cheguei no Autódromo lá pras 13h, pra ver quem me representa — os artistas negros e periféricos que tocam na minha playlist e na minha vida. Mas, ao pisar naquele espaço enorme, senti um tambor batendo no peito, me lembrando de que a música nunca é só música. É sobre quem tem voz, quem fica calado e quem é silenciado.
Logo na chegada, deu pra perceber: o festival ainda estava acordando. O público era menor do que eu imaginava vendo as imagens cheias dos anos anteriores, mas o som já estava vivo e pulsante. Drik Barbosa, Kamau e Zudizilla, com suas letras cheias de história e luta, abriram o dia. Foram apresentações excepcionais, mas ficaram espremidas nos horários mais cedo, como se fossem um aperitivo e não o prato principal.
Quem chegou cedo viu momentos que valem ouro. Drik Barbosa marcou o dia com a estreia do show “Aprendi Me Amar” homenageando Elza Soares. Depois, falou com emoção: “O que vivi no palco do Lollapalooza Brasil não foi só um show, foi um marco! Estrear ‘Aprendi Me Amar’ naquele palco, ao lado de mulheres negras potentes, é sobre ocupar espaços que por muito tempo não foram pensados pra nós. É sobre legado, sobre abrir caminho com arte, com verdade, com amor”.
Em entrevista ao Alma Preta, Kamau também compartilhou uma reflexão poderosa: “O meu trabalho me colocou aqui, a relevância do que eu faço. Então, pra quem faz rap do jeito que eu faço, ama do jeito que eu amo, é uma demonstração de que, pra quem tá no corre, existe chance”.
É impossível não sentir o peso dessas palavras. Ao mesmo tempo que reconhece a conquista, a fala escancara um contraste incômodo: o reconhecimento no palco do Lollapalooza é a exceção, não a regra. Para muitos artistas negros e periféricos, o “corre” é constante, e as chances, poucas.
Essa “chance” muitas vezes vem acompanhada de barreiras estruturais, como esses horários desprivilegiados nos festivais, dificuldade de acesso a grandes produções e, claro, o impacto financeiro de ingressos que afastam o público que mais se identifica com o rap e outras manifestações periféricas.
Quando decidi ir embora, lá pras 17h, o cenário já era outro. O campo em frente aos palcos tinha se enchido, com muita gente vestindo camisetas e outros acessórios do Shawn Mendes. Nada contra ele ou seu público, mas era impossível não perceber a divisão: por que Drik Barbosa, Kamau e Zudizilla ficaram no começo do dia enquanto ele reinava no horário nobre da noite?
Essa pergunta ficou martelando na minha cabeça enquanto eu me afastava, olhando pra trás e vendo o autódromo finalmente acordar de verdade. Outra questão que me chamou atenção foi que a ViaMobilidade, concessionária responsável pela Linha 9-Esmeralda, implementou um serviço especial para os participantes do Lollapalooza: um trem expresso, cortando o tempo de viagem para o festival.
A vereadora Luna Zarattini fez um questionamento importante: se dá pra criar esse serviço especial pra quem vai a um festival, por que não fazer o mesmo pra quem passa horas no transporte público todo dia? Por que o poder público não usa essas ideias para ajudar quem mais precisa — trabalhadores, estudantes e idosos das periferias? Se é possível para eventos, deveria ser possível pra quem faz o país funcionar.
Minha primeira vez no Lollapalooza foi cheia de emoções, misturadas às dores no pé de andar por um espaço tão grande. Ver artistas que eu admiro dando tudo de si foi emocionante, mas não dá pra ignorar a desigualdade no jeito como tudo é organizado. Essa experiência apenas serviu para reafirmar meu pensamento inicial: música nunca é só música. É história, é escolha, é política, é luta.
Amanda Stabile Amanda é jornalista e repórter do Nós, mulheres da periferia. Ama contar histórias, mas é ainda mais apaixonada por ouvi-las.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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